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Relato do óbito


Terça feira,4 de outubro de 2016,um dia que teria tudo para ser só mais um dia normal como todos os outros. Lá estou eu amamentado minha pequena como todos os dias. De repente, ela mal termina de mamar e vomita. Até aí nada tão anormal,visto que com bebês gulosinhos como ela era isso não é incomum nem raro acontecer. Até aquele dia,ela nunca tinha tido nem um problema com o sistema de derivação ventrículo peritoneal, que havia sido colocada quando ela tinha onze dias de vida, visto que já nasceu com o quadro de Hidrocefalia grave. Entre brincadeiras,"conversas" e sorrisos contagiantes o nosso dia com ela segue alegremente. Chega o final da tarde,mais um episódio de vômito. Meu alerta de mãe foi ligado!Mas, nesse caso uma mãe que a filha usa um sistema de derivação que não é próprio do seu corpo. Durante a noite ela se alimenta tranquilamente sem nenhum problema e age como de costume! Todavia,logo no dia seguinte, manhã de quarta,a aflição aumenta quando mais uma vez, assim que ela começa a sugar e o leite mal desce pela garganta coloca para fora. Naquele momento concluí que seria preciso uma intervenção médica. A grande dúvida era:seria um caso para um neurologista ou mais uma causa para um clínico geral tratar? Na cidade onde moramos não tem nenhum neurologista,neurocirurgião ou neuropediatra. Fomos ao hospital,mas vendo a fila e sabendo que havia um médico só para tudo resolvemos procurar atendimento particular,entretanto, não houve êxito na procura, o fato de já ser por volta do meio dia não ajudou,e na cidade onde moramos algumas clínicas só fazem esse tipo de atendimento pela manhã. Fomos a 3 clínicas particulares disponíveis na cidade, mas sem êxito. Voltamos ao hospital e depois de mais um tempo de espera conseguimos a consulta. O clínico geral receitou apenas soro reidratante via oral e disse que ela ficaria em observação. Disse ainda que poderia ser uma irritação estomacal,mas que mediante o quadro neurológico dela precisaria observá-la. Eu não estava convencida de que seria algo tão simples,e não era mesmo!

Depois de horas em observação,mesmo não conseguindo segurar uma quantidade suficiente de soro ou leite materno,recebemos a autorização de ir para casa e continuar a inserir soro e leite lentamente. Entretanto, bem na hora em que fui pega-la notei algo estranho no lado da cabeça, local onde ficava a válvula e por onde o catéter descia. Antes,havia notado uma diferença na parte de cima da cabeça,mas nada tão contundente quanto aquilo. Foi alí que tive certeza que precisava procurar atendimento neurológico específico. Voltamos para casa umas duas horas da manhã e logo arrumei às malas para à viagem.

Como foi tudo de emergência,não tivemos como marcar a consulta com o neurocirurgião. Chegando no ambulatório fui informada que ele não iria atender naquele dia,a solução foi partir para a emergência pediátrica do hospital DOM MALAN.

(IMIP PETROLINA - PE). A avaliação da pediatra não foi satisfatória, pois a impressão que tive foi que só a internou mediante o meu relato de que estaria com problemas na válvula,desidratada e que eu entendia que o quadro era grave. Após o internamento,já no quarto comecei a notar que ela estava com dificuldades para respirar e de prontidão informei na emergência. A mesma pediatra veio e após avaliar a respiração e os batimentos cardíacos disse que estava tudo normal.

Não,não estava! Eu jamais havia visto ela respirando daquela maneira tão dificultosa. Voltei na sala e insisti que reavaliassem o quadro clínico dela.Após isso outra pediatra foi lá avaliar e disse praticamente a mesma coisa. Mas como insisti que não era normal ela ter nenhum cansaço respiratório ela prescreveu o O².Mesmo assim,houve demora no atendimento e precisei inúmeras vezes ir atrás até que colocassem o oxigênio. Foi assim também com o soro fisiológico. A pediatra havia prescrito apenas uma pouca quantidade, mesmo eu tendo relatado a desidratação e a não aceitação da dieta oral. Por causa disso,quando o dito soro acabou, passei a manhã aflita insistindo para que colocassem,como ela não havia prescrito mais tive que esperar que providenciassem isso.Foi muito angustiante! Depois de umas 3 horas,colocaram alguns mls na seringa e só. Depois de mudarem ela para outra área do hospital e com avaliação de outra médica,esse soro finalmente chegou.

Enquanto ela estava com a máscara de oxigênio, de repente notei uma quantidade grande de sangue descendo pelo nariz. Saí desesperada informar e vieram de imediato. Alí começou o momento mais espinhoso daquele dia... A Levaram para a sala de procedimentos,naquele momento ela já estava tendo uma parada respiratória e também broncoaspirou.

Entendi que Deus estava me preparando para o pior antes mesmo,pois já tinha percebido que o quadro clínico dela era grave e tentei fazer com que todos os profissionais que tinham contato com ela entendessem isso logo que foi internada,mas só trataram o caso como gravíssimo após aquele momento.

Foi uma sucessão de falhas,até no momento da classificação de risco foi lhe dada uma pulseira azul,que de acordo com o que está especificado,indicava que aquela situação não era urgência.

O médico saiu da sala e após me explicar a situação disse que eu deveria me preparar para o pior. Afirmou também ter relatado ao neurocirurgião a gravidade do caso e o mesmo apenas disse precisar de uma tomografia para realização da cirurgia. Nem mesmo o trabalho de olhar a paciente ele não teve,simplesmente ignorou o fato de que quando decidiu ser médico, em seu juramento fez a promessa de que a saúde dos seus pacientes seria a sua primeira preocupação.

Durante aquela longa noite o pavor e o desespero quiseram tomar conta de mim. O som da dificultosa respiração dela expressava o quanto estava sofrendo, mas nenhum som se ouvia da sua boca,nenhum sinal,nenhum choro,gemido ou reação às furadas recebidas. Fiquei o tempo todo atenta ao aparelho que monitorava o coração e a respiração. Aquele barulho avisando que algo estava fora do normal era um tormento.

Quando a longa noite terminou e o sol raiou,um fio de esperança ainda existia,mas a respiração ainda oscilava muito e o coração começou a dar sinais que não iria suportar.Tive uma certeza quase palpável que aqueles eram os últimos minutos dela!

Não foi feita a DVP.(A atadura vista na foto foi colocada para fechar a boquinha dela)

Cerca de uns 10 médicos vieram avaliar o quadro clínico e fui avisada que iriam se reunir para decidir os próximos passos. Nem deu tempo! Poucos minutos depois eles voltaram,dessa vez para tentar salvá-la, as batidas do coração estavam diminuindo como um cronômetro em contagem regressiva. Andei pelo corredor do hospital e percebi que Deus havia poupado a vida dela no dia anterior para me fortalecer e dar tempo de me despedir.

Foram cerca de 40 minutos de tentativa de reanimação, e enquanto olhava de longe a tela de monitoramento vi os sinais vitais dela sumirem. Naquela manhã,sete de outubro de 2016,faltando três dias para que completasse sete meses de vida,uma médica saiu da sala e apenas com o olhar e um abraço confirmou o que eu já sabia...Ela teve uma INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA causada por hipertensão intracraniana devido a Hidrocefalia Grave.

Desde então,em meio a um deserto de dor seco e árido,encontro abrigo no jardim das lembranças mais lindas e marcantes que sua vida tão plena me deixou!

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